sexta-feira, 27 de abril de 2012

" Me iluminei "



Cansada de ouvir todo mundo dizer que depois da yoga você se torna uma pessoa muito mais feliz, resolvi arriscar.

Entrei na sala e, com toda a humildade que eu não tenho, avisei: a última vez que eu fiz yoga na vida foi com uns velhinhos no SESI há mais ou menos 10 anos.

A professora estava concentrada trabalhando pela energia da sala e não me deu muita atenção. Enquanto ela inchava e desinchava seu abdômen, de uma maneira que se eu fizesse provavelmente descolaria minha barriga, eu reparei em duas coisas que, automaticamente, começaram a me fazer espirrar: gatos, cobertores de lã e incensos por todo o lado.

Ela finalmente se levantou, olhou fundo nos meus olhos irritados pela alergia e disse, como quem diz a coisa mais simples do mundo: não se preocupe, por hora só o que você precisa fazer é um sukasana ou, se preferir, um siddhasana. Agora, se você tiver um bom alongamento, pode tentar também o padmasana. Sim?

Eu fiz um longo “sim” com a cabeça e assim permaneci por mais dez minutos. A única coisa, de tudo o que ela havia dito, que eu sabia fazer, era o tal do “sim”.

Os outros alunos se exibiam fazendo posturas estranhas em que os pés eram substituídos pelas mãos, a cabeça pela bunda, o joelho pelos braços, o queixo pelo cóccix e vice-versa. Não me perguntem o que isso quer dizer.

Comigo o tratamento era diferenciado.

Isso ficou claro quando ela mandou todos os alunos ficarem em virabhadrasana enquanto eu ficava em adhomukha svanasana. Ela se aproximou e me disse baixinho: enquanto eles fazem o herói, você faz o cachorro olhando pra baixo, ok?

Até aí tudo bem, sem problemas, eu estava mesmo em um dia mais “cabisbaixo”. Mas todo mundo sabe, na história dessa coisa chamada humanidade, que cachorros e gatos não se dão muito bem.

Para o meu desespero canino, tive de ficar com o focinho enfiado nas costas da gata mais felpuda da escola por longos e infinitos três segundos.

Não me lembro ao certo, mas acho que tive uma série de espirros digna de entrar para o Guinnes. Com direito a coçadas animalescas no nariz e mucos nasais de diferentes consistências espirrados na minha “mat” (a esteirinha que você compra para a prática).

A professora agora queria despertar a nossa kundalini e, para isso, tínhamos que fazer uma série de pranayamas que iam nos esquentar por dentro.

Fiquei com medo… esquentar por dentro com essa palavra estranha que começa com “cu”… só o que me faltava agora era aquele bando de gente zen começar a peidar.

O exercício consistia em inspirar fundo e expirar rapidamente e com muita força pelo nariz, como se todo mundo resolvesse assoar ranhos ao mesmo tempo, um na nuca do outro.

Eu, que já estava completamente entupida por causa da rinite, achei melhor não arriscar. Fiquei com a minha kundalini adormecida mesmo, mais seguro.

Vendo todos os meus embaraços e minha falta de flexibilidade, os alunos começaram a comentar: “aquela ali tem o corpo escuro”. Fiquei me perguntando o que exatamente significava isso.

Será que todos eles eram iluminados por dentro e só eu vivia nesse templo esquecido e mórbido chamado espírito? Será que eu tinha me cagado fazendo tanta força? Será que minha aura estava poluída? Será que em pleno século XXI as pessoas ainda são racistas com quem tem o corpo escuro?

Momento de relaxar, esse devia ser fácil. Eu apenas tinha que fechar os olhos e lembrar de alguma coisa muito boa. A mestra ainda deu as dicas: cachoeiras, montanhas, praias…

Só o que eu conseguia pensar era em dar na cachoeira para um morenão bem forte, no alto de uma montanha para outro morenão bem forte e numa praia deserta para os dois morenões bem fortes das primeiras visões. Isso não ia dar certo.

Será que eu nunca ia ser uma pessoa zen? Bom, eu já era zen dinheiro, zen namorado, zen saco e zen paciência.

Minha suruba praiana foi interrompida por um novo exercício.

Cada aluno deveria dizer agora o que estava “jogando fora” para merecer os benefícios daquela incrível energia budista desprendida de bens materiais, afinal “dessa vida não se leva nada, mas se eleva o espírito”.

A japonesinha atrás de mim jogou fora a casa na praia. O fortão, a sua moto nova. As irmãs gêmeas, todas as roupas que elas tinham no armário. A senhorinha na minha frente, todo o dinheiro que ela tinha no banco. E eu só conseguia pensar em levar o lixo da escola embora com tudo o que os outros tinham jogado nele.

Agora, munida de um longo cinto, minha tarefa era amarrar meus pés, minha cintura e meus braços de uma só vez. A professora garantiu que era um passaporte para o céu.

Ótimo, como eu tava precisando mesmo sair correndo dali, o céu era um bom lugar para ir. Me amarrei toda. Na hora em que ela mandou desfazer a posição, eu realmente fui para o céu… mas isso não lhe parece meio óbvio?

Ao final de um período longo de sofrimento, todo mundo é feliz. Mas pelo menos o exercício do aperta-espreme tinha servido para eu liberar a minha kundalini, a quantidade de gases que eu tinha no corpo era surreal.

O final da aula tinha chegado. Ufa! O último exercício era muito simples, ridículo de fácil: eu só teria que plantar uma bananeira sem me apoiar em nada.

Olhei para os outros alunos buscando um momento de cumplicidade do tipo “essa mulher tá louca”, mas eu era mesmo um ser solitário naquele lugar: todo mundo já estava de pernas para o ar.

Só a capricorniana aqui amava mais do que tudo os pés bem firmes no solo e estava em pânico.

A professora olhou pra mim, dessa vez com um pouquinho de compaixão (finalmente!) e disse: “se concentra no Krishna Das que você consegue.”

Eu não fazia a menor idéia de quem era esse cara, mas me concentrei nele, repetindo esse nome mentalmente mais de mil vezes. Enquanto eu repetia, ela levantava as minhas pernas.

Todos os outros alunos repetiam incessantemente um mantra que dizia “Milu Minei”. Fiquei horas me indagando quem seria agora o tal do “Milu”, tantos nomes novos! Era um novo mundo! Eu precisava estudar.

Eu já estava quase totalmente de ponta-cabeça quando percebi que minhas mãos suavam muito e que a qualquer momento eu poderia escorregar daquele mat cheio de mucos nasais.

Conclusão: na primeira aula de yoga, consegui plantar uma bananeira diga de principiante, toda torta, com medo extremo de cair e medo maior ainda de ter tirado os pés do chão.

Só depois descobri que Krishna Das era o cantor do CD que tava tocando durante a aula. Uma espécie de Rei Roberto Carlos para os iogues. E que o mantra, na verdade, era “me iluminei”.

Pode parecer besta mas, havia me iluminado mesmo.

E quando finalmente saí dali, eu não tive dúvidas: era a pessoa mais plena do mundo.

=D





[Ouvindo: Tiago Iorc - Nothing but a song]


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