Dedico as próximas seqüências de “mini textos escrotos” apenas a
mim, por ter suportado certas situações e por ter engolido muitos sapos. Não admiro esse adjetivo entre
aspas, na verdade não gosto dele nem um pouco, e é por isso que se
encaixa tão bem aqui, por que é precisamente isso que sinto pelo que
escrevi.
Sabe quando você fica com ódio, mas tanto, que uma veia abaixo do seu
olho estoura e então parece realmente que você está chorando sangue? É
nesse momento que você descobre que não poderia deixar algumas situações
passar em branco.
Sabe quando você chora muito e já não sabe diferenciar o que é lágrima
de catarro e saliva? É nesse período que você precisa se mover, não
metaforicamente ou de modo abstrato, “mova sua mente minha filha”, “evolua menina". Não, aprendizados assim servem perfeitamente apenas para
burros e isso seguramente eu nunca fui.
Quando uma mãe pede para o filho resoluções ou pelo menos justificativas
por tê-lo criado mal, soa como uma piada-pergunta desesperada das mais
sem graças. Por que ele recebe na boca o certificado de animal,
enrolado, amarrado em uma fitinha azul, como se fosse um diploma,
“cachorro pessimamente domesticado.”
Mas o meu medo real é o de não poder frear, não com o ódio, por que eu
não me importaria caso ele decidisse me acompanhar pelo resto da vida. O
meu medo nasce das besteiras, não daquelas pequenas, balinhas e
chicletes. Tenho receio de não poder parar entre os intervalos do
trabalho, ir em casa por exemplo para cochilar.
Eu necessito de pausas para não correr de mim, se os passos são longos e
rápidos eu logo piso no cadarço e beijo o chão. Sempre tive pavor de
lamber o asfalto, não pelo gosto, esse sabor conheço bem, e muitas vezes
fingi para mim mesma que estava sentada, na mesa de algum restaurante,
sorridente, comendo sushis, mas a língua na verdade tocava o piche, se
enroscava nas pequenas pedrinhas e eu tossia poeira, não da vermelha, a
do meu cigarro que não sabe parar apagado. Sim.
Eu finjo também que penso, quando na verdade eu bem mais que desejo, a
sustentabilidade das palavras, não me refiro a estruturas espirituais,
de ética ou moral. Preciso que cada palavra que escrevo se transforme em
roupa, comida, o recibo do meu pagamento do aluguel de fim de mês.
Se quase todos que dormem com as letras, as engolem, mastigam até o que
seria impossível ali consumir, sempre encontram a idéia genial, por que
diabos eu também não posso tê-la?
Se for esforço que me falta, eu corro então mais ainda, por que preciso
sobreviver das loucuras que planejo, preciso colocá-las todas no papel e
faturar alguma coisa disso. Preciso escrever algo que me alimente e não essa mistura, ração que cessa sua fome, te torna mais forte.
Preciso escrever não para me encontrar, sou sedentária demais para dar
prosseguimento a essas caminhadas, ainda mais em círculos, atrás do meu
próprio rabo, e o cão aqui não sou eu.
Que eu enfrente quem tiver que enfrentar . . .
.
[Ouvindo: Florence and The Machine - Dog days are over]